por Beto Oliveira
basta ordenar palavras. encontrá-las, em primeiro lugar. escolher as mais apropriadas. depois relacioná-las a outras e mais outras. metáforas e metonímias. mas não é um quebra-cabeça. não é bloco de montar, não é lego. verde pode ser escrito à tinta vermelha. palavras não tem cores, mas tem sabores. saborosas palavras se encontram, esbarram umas nas outras e o texto vai se formando. palavra e pensamento. o pensamento vem antes, abrindo caminhos, fazendo picadas na mata branca da folha. mas eis que a palavra toma a dianteira e na próxima bifurcação precipita o fluxo para a esquerda. muda o pensamento. o pensamento agora é outro, novas palavras foram escolhidas e agora buscam novas associações. metáforas e metonímias. o pensamento agora hesita entre uma palavra e outra. a uma palavra representa melhor o pensamento. a outra tem mais sabor, soa mais bonito. há uma expressão latina para isso. há sempre uma expressão latina para aquilo. mas a palavra mofa na boca de um suposto pedantismo. a palavra escolhida é a mais bonita. o pensamento se ilumina de vaidade e segue caminho na mata branca. é agora um pensamento já bem diferente do que foi há pouco. as palavras abrem novos caminhos. é hora de voltar ao texto. Voltar à primeira bifurcação. será mesmo essa a melhor palavra? a mais bonita? não. é outra. há outra palavra e não é latina, nem de língua estrangeira. palavra da nossa terra, do nosso povo. palavra falada nas feiras, nos quiosques do parque ipanema. ela que estava tão à mão, não foi vista na ocasião. agora ela é a melhor, mas o pensamento já tinha escolhido sua trajetória e essa palavra, tão comum, tão adequada ao texto que a antecede, não se encaixa bem nos caminhos que a seguem. a palavra precisa ser trocada mais uma vez. o pensamento já pouco importa. o texto está quase pronto e a tarefa agora se assemelha mais aos blocos de montar. é lego, é quebra-cabeça, sim; quebra-palavra. mas pode-se inventar. criar um bloco novo. uma nova cor. uma palavra que não existe. nem em latim. nem em línguas estrangeiras. nem em nossa língua. já não há pensamentos. só palavras. amontoadas. nem metáfora, nem metonímia. palavra pura. mas não pode ser. palavra é palavra. não tem cor, mas tem sabor. quiçá tenha também cor. quiçá, nem tenha sabor. e estão elas todas expostas. palavras seguidas de palavras. é um texto e mesmo quem não conhece a língua também pode reconhecer que é um texto. mas quem não conhece a língua não vê o pensamento que subjaz ali. só a cor. será que ele sente o sabor? leram o texto em voz alta para ele que não conhece a língua. sentiu um sabor estranho. que língua difícil. as palavras se misturam. são sons. ou são cores? o texto não está pronto. é preciso voltar à primeira bifurcação e escolher de novo um outro pensamento. o texto se desfaz. desmancha-se tudo com borracha de computador. a página está vazia. o pensamento não. começa-se tudo de novo, é preciso escolher palavras. e depois associá-las. mas é o contrário. metonímia e metáfora. associam-se primeiro, depois elas se escolhem. o caminho se refaz. o pensamento já é outro. ou não há pensamentos. só palavras, até chegar aqui. até chegar exatamente aqui. há uma expressão latina para isso. há sempre uma expressão latina para aquilo.
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